Perfil: Ex-paciente com porfiria cria entidade

2010-07-06
Presidente da ABRAPO fala sobre a luta contra o desconhecimento e o preconceito a respeito dessa doença rara

A porfiria é uma doença rara, de origem genética, caracterizada por uma deficiência de enzimas no organismo, que provoca dores abdominais agudas e pode levar à morte, se não cuidada corretamente.

O tratamento requer medicamentos importados, cuja aquisição é dificultada pelos entraves impostos pela legislação brasileira, o que acaba provocando, em muitas ocasiões, o risco de morte do paciente. Calcula-se que, em função da ascendência europeia e outros fatores, cerca de 19 mil pessoas sejam portadoras da doença no Brasil.

Iêda Bussmann, presidente da Abrapo (Associação Brasileira de Porfiria), sofreu na pele com o desconhecimento que envolve a doença – inclusive entre a classe médica, o q    ue faz com que diagnóstico tardio seja um risco comum.  

Aos 31 anos, Iêda começou a sentir náuseas, dores nas costas, depois no abdômen e, por fim, generalizadas. Após todo o tipo de exames, sem nada diagnosticado, as dores aumentaram e os remédios só fizeram piorar a situação. Ela foi encaminhada a uma clínica psiquiátrica para avaliação. Ao constatar início de alterações motoras, solicitaram a presença de um neurologista. Após questionamento sobre antecedentes na família e teste básico na urina, foi confirmada a Porfiria Aguda Intermitente.

Hoje, Iêda luta para conscientizar a população sobre essa e outras doenças raras, bem como contra o preconceito que envolve a porfiria.

“Os pacientes com porfiria sofrem vários preconceitos. No caso das porfirias agudas, como procuram os médicos por muitas e muitas vezes com queixas de dores, dentre outras, e os exames errôneos não acusam nada, os portadores são tachados de hipocondríacos e até mesmo de viciados em derivados do ópio, que é o medicamento mais apropriado para amenizar as dores extremamente severas”, explica Iêda. Segundo ela, alguns dos sintomas, como a ansiedade, apatia, depressão, fobia, alucinação, dentre outros, fazem com que os doentes sejam confundidos com pacientes psiquiátricos e, não raras vezes, internados como tal, sofrendo o mesmo preconceito desse grupo.

Já nas porfirias cutâneas, o preconceito vem da aparência da pele que sofre lesões quando exposta à luz. É nas porfirias cutâneas também que o preconceito se relaciona com as lendas e mitos, uma vez que os portadores devem se abrigar do sol e os tratamentos incluem transfusões de sangue ou flebotomia.

Saiba Mais
 
Tipos da doença
Há dois tipos principais de porfiria: as agudas e as cutâneas. Nas agudas, predominam os  sintomas neuropsiquiátricos e viscerais. A dor abdominal é o sintoma mais comum, ocorrendo também náusea, vômito, constipação, dor e fraqueza muscular, retenção urinária, arritmias, confusão mental, alucinações e convulsões. Algumas porfirias agudas podem também desenvolver sintomas cutâneos. Nas porfirias cutâneas, os sintomas em geral se restringem à pele, nas partes expostas ao sol, com formação de bolhas, cicatrizes, escurecimento, espessamento e aumento de pelos. É este tipo de porfiria que deu margem às lendas sobre vampirismo em todo o mundo.

Segundo a Associação Brasileira de Porfiria (ABRAPO), as condições reais da doença, aumentadas e deformadas pela imaginação popular, provavelmente tenham sido a fonte de folclore, mitos e lendas, como as dos vampiros e lobisomens, ideias difundidas por escritores e roteiristas de livros e filmes de ficção.

Incidência
É variável de um país para outro, mas em geral, estima-se que sejam portadores do gene 1/10.000 e existam pacientes com porfirias na proporção de 1 a 5/100.000.

No Brasil, não existem estatísticas oficiais, mas, considerando uma população estimada pelo IBGE de 191.480.630 habitantes, e a ascendência europeia, existem aproximadamente 19.000 portadores, que podem se tornar de 1.900 a 9.500 pacientes necessitados de diagnóstico e tratamento se forem expostos a situações de risco que desencadeiem crises.

Rotina do paciente
O paciente com porfiria pode ter uma vida normal, ou o mais próximo do normal possível, dependendo da gravidade das crises, se tiver diagnostico, tratamento, acompanhamento e orientações adequados. No entanto, quando as crises são crônicas, as internações periódicas necessárias acabam prejudicando as atividades normais do indivíduo, inclusive o trabalho, que promove seu sustento.

Risco de vida
As porfirias agudas podem constituir casos de emergência médica que, se não diagnosticadas e tratadas a tempo, ocasionam disfunção total do sistema nervoso (autônomo, central e periférico), culminando com paralisia respiratória, motora e coma. Quando não levam à morte, podem ocasionar graves sequelas. Também podem tardiamente provocar câncer no fígado. Dentre os vários sintomas das porfirias agudas estão incluídos depressão, ansiedade, confusão mental e alucinações.

Medicação
Nas porfirias agudas, além dos medicamentos normais para tratar os sintomas e das infusões de glicose, a hematina (Normosang) deve ser utilizada para corrigir a síntese do heme durante as crises, na quantidade de um ciclo de 4 a 16  doses indicada conforme a gravidade do quadro. O medicamento importado faz parte do grupo dos “medicamentos órfãos”, produzidos especificamente para o tratamento de doenças raras e geralmente “não adotados” pela indústria farmacêutica.

Tratamento
A maior dificuldade é a falta de conhecimento sobre as porfirias. É difícil o diagnóstico, assim como é difícil o tratamento. Não existem laboratórios e hospitais de referência, nem particulares, nem do SUS (ao menos oficialmente).

Ainda não existe um programa do Ministério da Saúde para dar atenção aos pacientes com as diversas porfirias. São pouquíssimos os médicos capacitados para atender os pacientes no Brasil. E o medicamento para regularizar o metabolismo do heme ainda não tem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que torna mais difícil e demorada sua importação.  

O tempo de tratamento depende de cada caso. Sendo uma doença genética (também identificada por erros inatos do metabolismo – EIM), convive-se com a doença a vida toda. No entanto, muitos dos portadores da mutação genética nunca vão desenvolver uma crise, pois é necessário um ou mais fatores desencadeantes para que isso aconteça.

Entre as medidas de saúde indicadas para o tratamento da porfiria no Brasil estão:
- a criação de um protocolo clínico direcionado às porfirias, o que incluiria todo o processo de diagnóstico e tratamento;
- programas de capacitação médica dedicados à doença;
- promoção de campanhas para divulgação das porfirias;
- registro do medicamento “hematina” na Anvisa, o que facilitaria a chegada do “medicamento órfão” em tempo hábil até o paciente;
- inclusão da  hematina nas listas do SUS (medicamentos excepcionais/alto custo) enquanto o medicamento importado não é produzido no Brasil.